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Covid-19: Tele-trabalho veio para ficar, mas acarreta riscos – especialistas

O recurso ao tele-trabalho foi generalizado com a pandemia de covid-19 e os especialistas antecipam que venha a ser mais utilizado no futuro, mas, sem equilíbrio nem negociação, acarreta riscos para os trabalhadores.

O “risco de invasão do tempo da vida privada e familiar pelo trabalho” faz do tele-trabalho um “fenómeno com dimensões perigosas para os trabalhadores”, acautela João Leal Amado, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

“Houve sempre muitas resistências” ao tele-trabalho, “de todos, dos trabalhadores, das entidades empregadoras”, desde logo porque sempre se admitiu que, “na prática, podia não permitir uma melhor conciliação da vida profissional com a vida pessoal, mas acabar por misturar esses dois planos da vida das pessoas e praticamente tornar ilimitada a jornada de trabalho”, assinala.

“A pessoa deixa de ter referências temporais e passa a ter que praticamente estar disponível e a trabalhar a qualquer momento”, sinaliza o professor de Direito do Trabalho.

“O tele-trabalho dá a sensação de que nunca se trabalhou tanto na vida”, resume o economista José Castro Caldas, considerando que “é muito mais pesado e muito menos eficiente” do que o trabalho face a face.

“Há pouca coisa que substitua o trabalho colectivo, no contexto das organizações, sejam elas quais forem, e é dessa interacção face a face, desse trabalho colectivo, que saem as ideias”, realça, assinalando que as relações inter-pessoais pela via digital “são uma fonte de dificuldades de entendimento e empatia com os outros”.

Reconhecendo que “há de haver facetas do tele-trabalho que são criativas e libertadoras, no sentido em que nos permitem gerir mais flexivelmente o nosso tempo”, Castro Caldas não duvida de que “há outras que são absolutamente empobrecedoras”.

Por isso, no futuro, o recurso ao tele-trabalho vai ter de ser “muito selectivo”, acredita. Até porque há o risco de “exaustão”, alerta o investigador do CoLABOR, laboratório colaborativo para o trabalho, emprego e protecção social, onde coordena uma linha de investigação sobre trabalho e emprego.

“De algum modo, estamos a ver um bocadinho do filme do que seria o mundo sem contacto social no trabalho e acho que não chegamos a gostar do que estamos a ver”, observa o sociólogo Paulo Pedroso.

“De repente, o facto de, à escala mundial, quase todos corrermos o risco de perder o emprego fez-nos lembrar quanto o emprego é importante para as nossas identidades sociais, não só pelo rendimento, mas pela interacção social”, nota.

“Se há uma coisa que resulta clara disto que aconteceu é a enorme importância que, na vida da grande maioria das pessoas, o trabalho tem”, corrobora João Leal Amado.

A adaptação da legislação à actual crise tem passado, em grande medida, pelas relações laborais, o que “é a melhor prova para contrariar o que muitos tinham afirmado, de que o trabalho já tinha quase morrido e tinha perdido a sua centralidade social”, assinala.

António Brandão Moniz, professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, afirma que o tele-trabalho “tem todas as potencialidades para aumentar a seguir” à crise em curso, que desencadeou “algumas mudanças importantes”, que “têm a ver, em particular, com a possibilidade que agora é mais evidente de se realizar trabalho de forma sobretudo digital, à distância, não presente num local de trabalho determinado”.

Até aqui, o tele-trabalho tinha uma aplicação isolada, era “mal-visto pelas entidades empresariais, muitas vezes renitentes, porque pensam que deixam de ter controlo sobre o próprio trabalhador e sobre a execução do trabalho”, assinala, dando como exemplo a resistência das operadoras de ‘call centers’ em adoptá-lo, já em tempo de pandemia.

O tele-trabalho – não sempre, mas em certos casos – “deveria ser mais aplicado, sobretudo para que possa apoiar situações de trabalhadores que, por alguma razão, têm de ficar em casa para apoio à família ou por algum problema próprio”, sustenta.

“Quem desejava executar formas de tele-trabalho ocasionalmente, por diferentes razões, agora percebe que isso é mais fácil”, frisa.

Simultaneamente, as empresas também tiveram de organizar essa modalidade e poderão “avaliar quais são os resultados da sua aplicação”.

Isto não quer dizer que “o tele-trabalho em si é apenas bom, pode ser bom em algumas circunstâncias, mas pode trazer também outros riscos, que, muitas vezes, nem são sequer perceptíveis para quem está a trabalhar”, admite Brandão Moniz.

O equilíbrio entre as vantagens e as desvantagens é “difícil de conseguir” e, por isso, o tele-trabalho tem de ser “negociado” entre as partes, frisa.

“Admito que isto já não volte atrás, no sentido de voltarmos à situação anterior. Apesar de tudo, provou-se que há um conjunto muito largo de actividades que podem ser desempenhadas pelos trabalhadores à distância, a partir de casa e não tendo que se deslocar para a empresa”, constata Leal Amado.

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