Vários utentes da Misericórdia da Figueira da Foz, confinados nessa instituição de solidariedade social há quase dois meses, devido ao novo coronavírus, falaram hoje pela primeira vez com familiares, através de uma plataforma elevatória exterior, disponibilizada gratuitamente.
O sistema, que começou hoje a funcionar e está disponível de segunda a sexta-feira, por marcação prévia, às famílias dos 150 utentes dos lares de Santo António e Silva Soares, permite cerca de duas dezenas de ‘visitas’ diárias, a dois metros das varandas do primeiro andar de cada um dos edifícios, constatou a agência Lusa.
Na manhã de hoje, Carlos e Margarida Santos, estrearam a iniciativa para visitar a mãe e avó, de 93 anos, que não vêem há dois meses: “Dentro das possibilidades, é o que temos de melhor. É menos prejudicial do que ir lá para dentro [do lar] e correr o risco de infectar os idosos”, disse aos jornalistas Carlos Santos.
A visita foi uma surpresa para a idosa, que padece de alguns problemas de saúde devido à idade avançada “e não alimenta muito a conversa”.
“Mas conhece muito bem a neta e vai gostar”, antecipou Carlos Santos, que saiu de casa hoje pela primeira vez para ver a mãe: “Não saía há dois meses e sair para ver a minha mãe é uma alegria”, enfatizou, emocionado, antes de a plataforma elevatória articulada, pertença de uma empresa de construção que a cedeu gratuitamente às Misericórdia – Obra da Figueira, fazer subir as duas pessoas pelo exterior do lar de Santo António até a uma varanda do primeiro andar do edifício, onde, até à década de 1970, funcionou o hospital distrital da Figueira da Foz.
Visitante habitual da mãe “dia sim, dia não”, Carlos Santos deslocava-se de São Martinho do Bispo – nos arredores da cidade de Coimbra, onde reside – de comboio até à Figueira da Foz, uma viagem que demora cerca de uma hora, mas hoje veio de carro com a filha.
“Ainda não arrisco de comboio nem de autocarro, por enquanto ainda é cedo [para usar transportes públicos]”, notou.
As subidas e descidas na plataforma elevatória foram-se sucedendo ao longo da manhã, 10 a 15 minutos a cada família, de forma ordeira e observando as condições de segurança face à pandemia de covid-19, nomeadamente no uso de máscaras e viseiras de protecção ou na desinfecção do cesto da máquina a cada utilização.
Junto ao muro do pátio de Santo António, Maria José, natural de Oliveira do Hospital, mas a residir na Figueira da Foz, esperava pela sua vez de falar com o pai, de 91 anos.
“É uma óptima solução, porque já há mais de mês e meio que não vejo o meu pai. Era bom para outros sítios também, porque não é fácil estar sem ver os nossos familiares tanto tempo e eu vinha cá todos os dias vê-lo”, frisou Maria José.
Por seu turno, o provedor da Misericórdia-Obra da Figueira, Joaquim de Sousa, assinalou que “todos os familiares aderiram de imediato” à iniciativa da instituição, que definiu como “uma espécie de regresso ao antigamente, um namoro à janela”.
“E eu ainda sou do tempo do namoro à janela”, brincou.
Joaquim Sousa lembrou que a Misericórdia da Figueira da Foz tomou internamente diversas medidas de segurança desde o início de Março e mantém-se sem qualquer de infecção pelo novo coronavírus.
Disse, por outro lado, que o uso da plataforma elevatória “serve para aligeirar a ansiedade” dos idosos “que estão desde meio de Março sem estarem presencialmente com os familiares”, embora mantenham contacto por telefone ou através de vídeo chamada por meios electrónicos.
Já o empresário Filipe Oliveira, proprietário da Qualigesso, a empresa detentora da plataforma elevatória que habitualmente é usada por trabalhadores em obras em altura, admitiu que nunca lhe tinha passado pela ideia usar a máquina para uma iniciativa de solidariedade.
“Tinha a máquina parada e, quando fui contactado, acedi de imediato a cedê-la gratuitamente. Estamos a contribuir para fazer o bem pelos outros e só podemos estar felizes com isso”, argumentou.